Por Jorge Luiz Souto Maior
No dia 23 de junho, Fábio Hideki Harano,
um cidadão brasileiro que tem emprego fixo – ele é empregado público na
Universidade de São Paulo, onde também segue o curso de ciências sociais – foi
preso sob a acusação de porte de explosivos e “associação criminosa”, tendo
sido acusado, também, de ser um “black bloc”.
Apesar de todas as evidências negarem as acusações
(estava sozinho em escadaria de estação do metrô quando foi preso; no ato da
prisão não foi apresentado qualquer artefato explosivo que estivesse em sua
mochila), Fábio foi preso “em flagrante delito” e depois, mediante decisão judicial
que autorizou a prisão preventiva até o julgamento, que não tem data para
ocorrer, foi transferido para o presídio de Tremembé, onde se encontram
criminosos considerados de grande periculosidade.
A prisão de Fábio se deu no contexto da
repressão às manifestações que propunham aproveitar a visibilidade da Copa para
questionar os problemas ligados à preparação para o evento, tendo sido
utilizada como forma de impedir que tais manifestações ocorressem, valendo
lembrar que a atuação da Polícia em São Paulo, no dia 12 de junho, dia da abertura do
mundial, se deu de forma violenta, chegando mesmo a proibir que uma manifestação
fosse iniciada.
O fato concreto é que Fábio ainda está
preso por uma opção política de sufocar o direito de manifestação, tendo como
pretexto a viabilização da realização sem transtornos da Copa do Mundo da Fifa
2014.
A grande mídia não dá destaque ao fato. A
sociedade em geral dele não tem conhecimento e se tem é levada a considerar que
os manifestantes são inimigos a serem derrotados e que, portanto, a prisão se
justifica. Aliás, muito já se tem dito sobre as vitórias sobre os pessimistas e
que o Brasil já pode se considerar campeão, pois deu conta de organizar a “Copa
das Copas”.
Mas, a que preço? Fábio está
arbitrariamente preso. O Estado Democrático de Direito está suspenso em
diversos aspectos, tendo se chegado ao cúmulo de que no dia 1º. de julho de
2014, na Praça Roosevelt, em
São Paulo, um debate sobre a situação vivenciada por Fábio
foi sufocado pela ação da tropa de choque da Polícia Militar, a qual, com contingente que chegava a três vezes o
número de manifestantes, literalmente sitiou a praça e manteve ouvintes
e debatedores sob a condição de criminosos
As vitórias da seleção brasileira em
campo, as belezas das partidas, a boa organização nos estádios, nada disso pode
nos impedir de ver a completude dos fatos e de nos posicionarmos contra os
absurdos cometidos para realizar e manter sob controle o evento, pois como muito
bem pontuado por Pedro Abramovay, “Uma prisão como a de Fábio nos diminui
enquanto democracia. O silêncio perante esta prisão nos diminui enquanto
sociedade.”[1]
Deixando qualquer perspectiva eleitoral de
lado, é de suma importância perceber o preço que a sociedade brasileira está
pagando para realizar a Copa. Como venho advertindo há algum tempo, o que está
em jogo é a vigência das instituições do Estado Democrático de Direito, sendo
que a porta aberta ao Estado de Exceção não encontra limites e tende a possibilitar
a utilização seletiva das estruturas de poder para a satisfação de interesses
determinados, nem sempre revelados.
Vale reparar que o mesmo rigor jurídico não
foi adotado com relação a Raymond Whelan, cidadão britânico, diretor da empresa
Match, empresa associada à Fifa, que, segundo a Polícia Civil do Rio de
Janeiro, seria o chefe de uma quadrilha orquestrada para a venda ilegal de
ingressos.
Whelan foi preso na segunda-feira em um quarto
de hotel, tendo sido apreendidos consigo 82 ingressos dos jogos semifinais e
final da Copa, além de outros aparelhos que seriam utilizados para a
comercialização dos ingressos.
Num suspiro de euforia, como se o Estado
de Exceção estivesse sido posto em questão, o jornalista Juca Kfouri, sempre atento
às questões sociais ligadas ao esporte, chegou mesmo a dizer que a prisão de Whelan,
que serviria para desmascarar a Fifa, exibindo mundialmente o seu esquema de câmbio
negro, seria o maior legado da Copa no Brasil[2].
Mas a alegria durou muito pouco. Na
madrugada de terça-feira, mediante decisão judicial que autorizou o pagamento
de fiança, Whelan já estava solto.
Segundo o Delegado responsável pela
operação, Fábio Barucke, a soltura de Whelan "faz parte do processo
democrático", mas ressaltou: “as provas não foram analisadas pela
Justiça"[3].
O resultado é que Fábio, um jovem que tem
como característica principal a solidariedade, que se dispõe a lutar pela
efetividade de direitos alheios e que vislumbra o seu papel na construção de
uma sociedade melhor para todos, está preso há 16 (dezesseis) dias, enquanto Whelan,
contra quem se diz existirem provas contundentes de participação em um esquema
de venda ilegal de ingressos, que chegaram a ser comercializados por
R$35.000,00 (trinta e cinco mil reais), não ficou preso mais que poucas horas.
Os fatos acima narrados não ocorreram por
acaso. Estão interligados e revelam que no verdadeiro jogo da Copa, Whelan, Fifa
e Estado de Exceção estão derrotando de goleada Fábio, sociedade brasileira e
Estado Democrático de Direito.
Nesse contexto, o jogo do Brasil contra a Alemanha
hoje à tarde é apenas um detalhe sem maior relevância...
[1]. http://www.brasilpost.com.br/pedro-abramovay/fabio-hideki-harano-um-preso-politico_b_5549277.html?utm_hp_ref=brazil
[2]. http://www.viomundo.com.br/denuncias/juca-kfouri-desmascarar-fifa-o-maior-legado-da-copa-brasil.html
[3]. http://copadomundo.uol.com.br/noticias/redacao/2014/07/08/solto-pela-policia-diretor-da-match-continuara-a-trabalhar-na-copa.htm
Nenhum comentário:
Postar um comentário